Carros
freando, buzinas, sustos e gritos ecoando, arrepios, volantes
girando, alguns saindo no acostamento. Vidros, vidros e mais vidros
estilhaçados. Engarrafamento, ambulantes passando: “Olha água
geladinha: 2 real!”. Inflação.
Pessoas
impacientes, pessoas que não olham mais umas para as outras. Pessoas
ouvindo rádio, navegando no celular, vendo o tamanho do
congestionamento não-nasal – aliás antes fosse o nasal -, pessoas
se desculpando no telefone pelo atraso.
Calor
extremo, crianças pulando nos bancos, mães enfurecidas. Pessoas
pelo acostamento sentindo-se mais que os outros na fila. Pessoas com
carros turbinados engatinhando a 5 km/h. Dinossauros queimados na
gasolina.
Alguns
aliviando a ansiedade no cigarro, outros no movimento frenético dos
dedos, batuque no volante, vidros abertos, mãos mandando tudo à #!
Portas se abrindo, gente descendo do ônibus, motos e automóveis.
Todos perguntando o que se passava, sem olhar no rosto, sem ouvir,
afinal eram estranhos que se a Entidade Superior do Universo quisesse
não voltariam a rever-se.
Polícia
rodoviária chegando, um zigue-zague para abrir espaço, reclamações.
Espertinhos tentando ganhar terreno. Tudo parado novamente… Um
breve silêncio impaciente.
Sirenes,
sirenes, forte som, aquela dúvida: será que morreu alguém?
Ambulância abrindo as portas. Paramédicos imobilizando o paciente.
Chega
um curioso e pergunta: “é grave?”. A atenção dos médicos e
enfermeiras é tanta que não há resposta. Achei a carteira dele no
chão, diz outro. Nome: “Trânsito”.
Helicóptero
chega, cortejo para o atendido. Trânsito carregado. O trânsito não
tinha planejado esse fim, esse caos, esse amontoado de pessoas
olhando perplexas sem conseguir uma solução racional.
No
outro veículo preso nas ferragens estava o Governo: imóvel, sem
sentido. Os bombeiros não conseguiam resgatá-lo, população
observava de longe, o governo não tinha seguro, não tinha plano (de
saúde). A infraestrutura agonizava do lado, esposa tão maltratada
desde os tempos coloniais, com uma fratura exposta de um país
inerte. A Educação tão pequenina já não respirava, tão esmagada
que fora, sem cinto, sem verba, sem estímulo. Só lágrimas, lamento
e esperança dos que passavam na pista recém liberada do acidente.
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