domingo, 9 de agosto de 2015

Acidente planejado

Carros freando, buzinas, sustos e gritos ecoando, arrepios, volantes girando, alguns saindo no acostamento. Vidros, vidros e mais vidros estilhaçados. Engarrafamento, ambulantes passando: “Olha água geladinha: 2 real!”. Inflação.
Pessoas impacientes, pessoas que não olham mais umas para as outras. Pessoas ouvindo rádio, navegando no celular, vendo o tamanho do congestionamento não-nasal – aliás antes fosse o nasal -, pessoas se desculpando no telefone pelo atraso.
Calor extremo, crianças pulando nos bancos, mães enfurecidas. Pessoas pelo acostamento sentindo-se mais que os outros na fila. Pessoas com carros turbinados engatinhando a 5 km/h. Dinossauros queimados na gasolina.
Alguns aliviando a ansiedade no cigarro, outros no movimento frenético dos dedos, batuque no volante, vidros abertos, mãos mandando tudo à #! Portas se abrindo, gente descendo do ônibus, motos e automóveis. Todos perguntando o que se passava, sem olhar no rosto, sem ouvir, afinal eram estranhos que se a Entidade Superior do Universo quisesse não voltariam a rever-se.
Polícia rodoviária chegando, um zigue-zague para abrir espaço, reclamações. Espertinhos tentando ganhar terreno. Tudo parado novamente… Um breve silêncio impaciente.
Sirenes, sirenes, forte som, aquela dúvida: será que morreu alguém? Ambulância abrindo as portas. Paramédicos imobilizando o paciente.
Chega um curioso e pergunta: “é grave?”. A atenção dos médicos e enfermeiras é tanta que não há resposta. Achei a carteira dele no chão, diz outro. Nome: “Trânsito”.
Helicóptero chega, cortejo para o atendido. Trânsito carregado. O trânsito não tinha planejado esse fim, esse caos, esse amontoado de pessoas olhando perplexas sem conseguir uma solução racional.

No outro veículo preso nas ferragens estava o Governo: imóvel, sem sentido. Os bombeiros não conseguiam resgatá-lo, população observava de longe, o governo não tinha seguro, não tinha plano (de saúde). A infraestrutura agonizava do lado, esposa tão maltratada desde os tempos coloniais, com uma fratura exposta de um país inerte. A Educação tão pequenina já não respirava, tão esmagada que fora, sem cinto, sem verba, sem estímulo. Só lágrimas, lamento e esperança dos que passavam na pista recém liberada do acidente.

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