domingo, 9 de agosto de 2015

Guerra de Canudos


Acabara de se graduar. Formatura bonita, momento de agradecer aos familiares pelo apoio e compartilhar a alegria com os amigos. Na colação de grau eram cinqüenta. Vários diplomas entregues, agora a serem pendurados na parede.
Segunda-feira, findo os estudos e festas era hora de procurar emprego. Começava uma nova guerra. Antes de entrar na universidade os gurus diziam que área estava em plena expansão. Estranho é que ao se formar o momento era de forte recessão na área e não encontrara grandes oportunidades de emprego antes de se formar.
Por isso contratara Antônio, conselheiro... de carreira profissional. Recebeu dicas de como escrever o currículo e carta de apresentação. A outra lição, bem mais difícil, era aprender toda a interpretação cenográfica de como se portar nas entrevistas: não olhe para baixo (olhe nos olhos); não cruze os braços; não gesticule (será que o ideal seria mover apenas os lábios?); conheça o que a empresa faz; seja sincero: não minta, só omita a verdade.
Primeiro processo seletivo, começaram com formulários intermináveis: nome, endereço, telefone. Depois questões pessoais: informe três maiores qualidades e três defeitos (a parte mais difícil), descreva seus sonhos (podia dizer que dependia do dinheiro disponível?). Logo após, uma série de questões técnicas práticas bem mais desafiadoras que as aulas teóricas que precisou estudar para se formar.
Passando na primeira fase, dias depois foi convidado para participar de uma dinâmica de grupo. Na roda em que se formara, identificou quatro ou cinco colegas de turma. O coordenador apresentou-se como Euclides da Cunha (por algum motivo o nome soava familiar). Pediu que todos se apresentassem e contassem um pouco de seus metas profissionais e pessoais e porquê gostaria de trabalhar na empresa. Cada indivíduo usava como arma a melhor eloqüência possível para explanar sobre suas prioridades, gostos, êxitos alcançados e objetivos para o futuro. Euclides registrava tudo atentamente. Eram seres humanos com objetivos muito semelhantes de usar sua saúde e capacidade de trabalho para buscar felicidade com sua família e amigos.
Quando todos terminaram Cunha determinou que se formassem grupos de 5 pessoas de acordo com as posições em que estavam sentados. No total 3 grupos. Então receberam um problema real da empresa que precisava ser resolvido de modo consensual pelos membros da equipe. Aí, a batalha efetivamente começou, cada indivíduo defenderia sua ideologia. Não haviam escudos, canhões, espadas, sertanejos, governo, rico ou pobre, monarquia ou república. Mas haviam canudos se digladiando nas idéias, na habilidade de persuasão e na capacidade de raciocínio. Sou bacharel USP, outro mestrado em Oxford, e outro pós doutor em Stanford, e outro falo 5 línguas, e mais outro intercâmbio social na África do Sul. Réguas balançando, lápis pontiagudos perigosamente rabiscando. Certamente haveriam baixas em ambos as frentes, apenas dois seriam contratados.
Com muito vibração recebeu a notícia que estava selecionado para a última etapa da seleção: a entrevista. Com nervosismo aparente atuou no palco do escritório para o chefe ( seria do exército?) conforme Antônio lhe ensinara.
Ansiosamente aguardou pelo resultado. Recebeu-o via correio eletrônico. Descobriu, contudo, que conselheiro estava do lado errado para aquele processo: a empresa precisava de um outro perfil, mais despojado. Fora capturado e rendido pelo inimigo. Derrotado na derradeira etapa da luta.
Apesar do desânimo, sabia que a vida teria de continuar, pois as guerras nunca cessam. Além do mais, a vantagem da juventude é que há bastante ânimo para tentar novamente por várias vezes.

Certa vez o rapaz leu na Internet que: “Racionalize assim: enquanto houver muito mais candidatos do que vagas, o mercado não se preocupará com os sentimentos das pessoas. Se um dia, no entanto, chegarmos ao nível de pleno emprego tão sonhado, serão eles que correrão atrás de você”. Enquanto esse dia utópico não chega, continuaremos com conselheiros e guerras de canudos. 

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